quinta-feira, 31 de julho de 2014

As cidades vivem mais tempo que as pessoas

Por Haroldo França
Alzira estava sentada na mesma posição há duas horas. Na TV, algumas letrinhas subindo. Seus braços apoiados nos braços da poltrona. Respiração calma. O final da história foi emocionante. O filme fez Alzira esquecer da vida. O cinema é uma morte transitória. As letrinhas continuaram subindo e Alzira permaneceu imóvel, na tentativa de prolongar um pouquinho mais esse não viver. Alzira mora só, e aos quarenta, seu maior medo é passar o resto de seus dias sem ter para quem cozinhar além de si mesma. Os créditos do filme acabaram e junto com eles a música que a fazia relembrar os melhores momentos daquela obra de arte. Ao lado da TV, a lista de compras do supermercado. Alzira apoiou os cotovelos sobre os joelhos. Passou a mão por entre os cabelos bagunçados. Fechou os olhos.  Respirou devagar e profundo. Abriu os olhos. Umedeceu os lábios. Levantou-se.