domingo, 28 de abril de 2013

Mestre dos Magos

Por Haroldo França

O quê? Do que você me chamou? Não, eu acho que não entendi direito. Quer dizer que é isso, seu Agenor? Quer dizer que acordo todos os dias na linda madrugada carioca pra pegar aquele trem lotado de pessoas felizes e cheirosas, pra chegar nesse trabalho adorável, dar o meu melhor todos os dias, ter que conviver com um chefe maravilhoso e incrível que nem você, pra ouvir isso? "Veadinho"? Acho que isso não pega bem pra nossa relação profissional, seu Agenor. Não condiz com a sua imagem. Sim, porque a sua imagem não é de uma pessoa que fala esse tipo de baixezas. A sua imagem é assim, tipo... Já assistiu Harry Potter? Então, sabe o Voldemort? Pois é, eu acho que a sua imagem é mais ou menos por aí. Ou então daquele velho dos Simpsons, sabe, o chefe do Homer? O pessoal do RH já até fez uma montagem com uma foto sua nesse desenho. Tá rolando em todos os e-mails corporativos. E no grupo do Facebook também. É, a gente criou um grupo secreto no Facebook só pra falar de você. É que você é uma pessoa muito querida nessa empresa, seu Agenor. Tanto que tem até apelidinhos. Tipo assim... "Mestre dos magos". Essa quem inventou foi a dona Alcides, dos serviços gerais. Sim, ela tem face. Então, seu Agenor, assim, só uma dica... Tente fazer com que as suas atitudes sejam condizentes com a sua imagem. A sua imagem feia. Decrépita. Nojenta. Desprezível. Desagradável. Abominável. Xexelenta. Grotesca. Mulambenta. Que além de tudo, peida em reunião. Né. Que além de tudo, tem bafo ruim e fala cuspindo na cara de todo mundo. Lá no setor de finanças eles até fizeram uma vaquinha pra comprar aqueles chapeuzinhos com guarda-chuva, sabe? De frevo. Pra se proteger da chuva de cuspe com cheiro de café com leite. Pois é. Quanto à minha imagem? Sim, eu sei que passo essa imagem, de ser um cara mais delicado... Sim, eu sei. Mas, pelo menos eu tenho família. Amigos. Você não. Não tem esposa, não tem filhos, nem amigos... Mas tem uma empresa, né? Uma adorável empresa. Então é isso, seu Agenor. Qualquer coisa, vou tá ali no meu ramal, se quiser falar comigo é só gritar "ei, veadinho!", que eu vou responder "fala, peidão!". E assim a gente segue nesse dia-a-dia abençoado, né, seu Agenor? Passar bem.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Na cama com Terezinha


Existem dias que fogem do comum. Dias nos quais a vida resolve, por um instante, escapar dos protocolos cotidianos para nos presentear com um gole de cerveja. Assim foi quando conheci dona Terezinha, num fim de tarde alaranjado, no bairro da Pedreira, em Belém. Quando ela, pela janela, me convidou para entrar e sentar em sua poltrona improvisada, naquele quartinho, que ficava em cima de um boteco, para bater um papo.

Hoje, provavelmente, ela já não lembra daquele dia, nem de mim, mas de algum modo (o qual não sei explicar) ela tocou em meu coração e deixou uma marca que já dura quatro anos.

De lá pra cá, mudei de cidade e acumulei na garganta a vontade de usar o teatro como meio para falar de algumas coisas que me enlouquecem. Então, lembrei dessa mulher.

Agora, terei a oportunidade de visitá-la novamente. Não a pessoa em si (ainda), mas a marca que ficou - e que trará consigo, por consequência, outras marcas que aqui estão, de outras pessoas e experiências que me atravessaram e que me enlouqueceram.

Poderei, então, abraçá-la, sorrir e dizer que dolorosamente usarei a alma para escrevê-la. Venha, Terezinha! Cative e enlouqueça!