quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O abraço da dona Valquíria

Alô? Oi, amor. Saudade. Como cê tá? Que bom, amor. Tô contando os dias pro próximo feriado. Pra gente poder se encontrar... Ah, por aqui tá tudo bem, sim. Quer dizer... Já te falei que essa cidade é meio estranha, né? Ah, sei lá... As pessoas não se tocam muito. Não tem muito contato físico, sabe? É. Não, elas são legais. São atenciosas. Me tratam muito bem. Mas nesses meses que eu tô aqui, nenhuma virou amiga, amiga de verdade. Sabe como é? Pois é. Não é que nem aí. 

Sabe o que eu constatei, um dia desses? Parece coisa de louco ficar calculando esse tipo de coisa, mas... Fazem três semanas que eu não abraço ninguém. Estranho, né? Não sei porque eu pensei nisso... Acho que tô sentindo falta. 

Sabe, tem uma pessoa no meu trabalho que é muito legal... A Dona Valquíria. Ela é uma senhorinha muito simpática, lá da administração. Eu gosto dela de graça. Todo mundo gosta. Sempre que eu a vejo sinto vontade de abraçar. Ela tem cara de que dá aqueles abraços gostosos de vó, sabe? Desses demorados, verdadeiros, carinhosos. Acho que é o que eu ando precisando. 

No início dessa semana, o meu chefe brigou comigo. Ele gritou. Ele é um cara complicado. Difícil de lidar. Eu fiquei desestabilizado. Senti vontade de chorar. Eu sei que parece exagero querer chorar por causa de um esporro do chefe, mas eu já tinha um monte de coisa acumulada na garganta. Saudades daí. Vontade de estar aí, abraçando todo mundo, toda hora, sem nem me dar conta do quanto isso nos torna mais felizes. 

Então eu senti muita, muita vontade de chorar. Mas não tinha onde. Se eu fosse chorar no banheiro todos iam ver a minha cara inchada depois. Não ia pegar bem. Aí me passou pela cabeça pedir um abraço da dona Valquíria. Foi quando eu percebi que eu tava realmente carente disso, sabe? De alguém que me abraçasse de verdade. De repente eu comecei a ficar muito mal. A cada vez que algum funcionário aleatório passava por mim, dava vontade de levantar e pedir um abraço, assim, sem mais nem menos, sem falar nada. Acho que era o que eu deveria ter feito. Talvez eles também precisassem disso. 

E foi aí que eu decidi: Iria procurar a dona Valquíria. Ela iria me entender. Pelo menos eu achei que iria. Liguei no ramal dela e ninguém atendeu. Então saí da minha sala sem avisar ninguém. Fui até a bancada dela, e soube que ela estava de licença-saúde. Quebrou o braço. Foi assaltada, os bandidos a derrubaram no chão e ela quebrou o braço na queda, tadinha. Dá pra acreditar? Ela vai passar não sei quantos meses afastada. 

Sabe... As vezes eu me pergunto onde é que eu vim parar. Essa cidade é violenta demais. Sei lá, dá até medo. Mas eu sei que vai valer a pena. No final das contas, estar aqui é melhor pra mim. Vai ser melhor pro meu futuro. É... vai, sim. Esse emprego é promissor. 

Ah, mas depois passou. Isso tudo. Foi só um momento ruim. Uma neura. Sabe como é que eu sou, né? Eu tenho dessas fases, assim, do nada. Depois voltei ao normal. Voltei a ter bom humor, e tal. Mas no mais, tá tudo bem, sim. Tô com muita saudade. Saudade dos teus abraços. Eu te amo, viu? Mal posso esperar chegar o feriado pra gente poder se ver. Amor? Tá me ouvindo? Alô... Alô? ... Amor?

(Por Haroldo França)

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Tsss

(Por Delianne Lima)

Era uma quarta-feira qualquer. Metade da semana. Os dias parecem mais bonitos depois dela, a quarta-feira. No balançar das minhas mãos, sinto o vento correr, gracioso, por entre meus dedos. Sem o frio, sinto a brisa lavar meu corpo do calor do sol forte.

Meu rosto gosta de sorrir. “É melhor do que chorar”, pensa.

Logo meu cérebro cantarola uma música que me dá vontade de cantar. Penso nas pessoas ao redor. Todo mundo ia olhar. Porque olham? Seria inveja, repressão, vontade ou o que? Quero cantar. Meus fones de ouvido cantariam comigo em uma musicalidade singular e solene. Vou cantar.

Na medida em que verbalizo cada nota, meu sorriso se expande. Meus dedos dançam junto com o vento e minhas pernas tornam-se saltitantes. Pulo em um banco de pedra. Canto algo em algum canto alto. Canto alto. Tão alto que não consigo ouvir minha voz. Os fones de ouvido compartilham o volume comigo, apenas.

Já nem percebo os olhares – e olha que são muitos. Respondo cada um com um sorriso corpóreo. Sorriso em movimento. Beijos em movimentos. Abraços sorridentes de liberdade.

Hoje é o meu aniversário.