domingo, 28 de dezembro de 2008

1945

Era uma tarde comum, com cheiro de restinho de chuva saindo do chão, quando minha pedrinha da sorte se perdeu no caminho do buraco de um ralo. Naquele momento, vi desmancharem-se meus sonhos, tudo o que eu havia planejado até o final daquela década cinzenta. Eu estava triste, sozinha, a caminhar pela praça de São Sebastião. Fazia frio. Minhas mãos eram nervosas, dentro dos bolsos de minhas vestes que ainda cheiravam a proletariados da indústria têxtil. Cheguei em casa, pedi à velha que me desse uma chícara do café que tinha acabado de fazer. Era por volta de 4 da tarde. O vapor do café desenhava curvas sinuosas, que tentavam me dizer algo que eu ainda não tinha idade pra compreender. Abracei a velha. Segurei firme no tecido marrom de seu vestido. O país estava em guerra. Ela não sabia se ele - o velho - voltaria para casa. As roupas das mulheres da época eram feitas a partir das sobras que a indústria têxtil produzia para as roupas dos milhares, milhares de soldados. Um belo vestido marrom. Marrom como suas sobrancelhas, e seus belos olhos, que consolavam a água tímida dos meus. Ela sabia o que havia acontecido. Ela decifrara tudo, em um simples toque, um simples gesto de amor. Abriu sua bolsa. Estava cheia de pedrinhas novas. Eram pedrinhas coloridas, vibrantes, alegres, tão alegres que não pareciam viver aquela época. A velha pegou uma delas, e pôs em minha boca. Senti um sabor diferente, feliz. Um sabor que me fazia sentir menina.
Naquele dia, passamos o resto da tarde e a noite juntas. Ela me ensinou como mastigá-las, e a fazer incríveis bolhas a partir de nosso próprio fôlego. Confesso que algumas vezes, as bolas estouravam e minha cara ficava toda grudenta. Mas era divertido. Ao final da noite, estávamos todas grudentas. A velha pegou um pirulito, chupou-o, e depois enfiou ele dentro da minha paquinha.

O velho não voltaria mais.

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