segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O grande filho da puta

O filho da puta, o maior de todos, aquele que é o verdadeiro grande filho da puta não é aquele sujeito que quando você passa na rua te olha como se você fosse um pedaço de carne no açougue e se arde todo como se estivesse gozando só de imaginar você nua.
O grande filho da puta, o pai de todos os outros, não é o cara que te chama de gostosa, que te enche o saco até você dar o telefone pra ele jurando que você possa algum dia ficar a fim de um tipo desesperado como este.
O grande filho da puta é aquele que te diz que você é única e que mesmo assim não se apaixona por você. É aquele que diz que você é inteligente, bonita, mas mesmo assim não fica a fim de você, mas idolatra uma outra que ta cagando e andando pra ele.
Com este filho da puta você é capaz de amanhecer batendo papo, de compartilhar risadas, de compartilhar confissões, de ter momentos especiais sem que você se torne amorosamente especial para ele.
Este sacana é aquele cara bonito, inteligente, que te escuta, te apóia, te diz que as coisas vão melhorar, que te faz perceber que ainda existem caras legais no mundo. Mas esse filho da puta, no final das contas, te vê como amiga e se interessa por outra menina, uma certamente menos única do que você.
Esse filho da puta constrói uma relação verdadeira contigo, do tipo sinceridade total, e então, este maravilhoso filho da puta tão honesto é capaz de falar na tua cara que tá ficando com uma outra garota minutos antes de vocês transarem. Dizer isso é algo bem natural pra ele, uma vez que, segundo ele próprio, ele já te contou tudo sobre a vida dele, e além de tudo, lembremo-nos, temos uma relação baseada na verdade, não é mesmo?
Então o filho da puta chega um dia, menos de uma semana depois de vocês terem transado (o mesmo dia no qual ele disse que não queria se envolver com ninguém), e diz: “eu tenho que te contar uma coisa: eu tô namorando”.
E mais uma vez na sua vida você sente aquele soco no estômago, aquela sensação de que se está fudida, já que até o cara que você julgava parecido contigo não te quer, é porque ninguém vai mais querer.
E eu não digo nada, não tenho palavras, nada pra dizer.
Não se pode gostar de alguém por obrigação, se o gostar não acontece, existe uma palavra pra isso? Eu não encontrei.

domingo, 28 de dezembro de 2008

1945

Era uma tarde comum, com cheiro de restinho de chuva saindo do chão, quando minha pedrinha da sorte se perdeu no caminho do buraco de um ralo. Naquele momento, vi desmancharem-se meus sonhos, tudo o que eu havia planejado até o final daquela década cinzenta. Eu estava triste, sozinha, a caminhar pela praça de São Sebastião. Fazia frio. Minhas mãos eram nervosas, dentro dos bolsos de minhas vestes que ainda cheiravam a proletariados da indústria têxtil. Cheguei em casa, pedi à velha que me desse uma chícara do café que tinha acabado de fazer. Era por volta de 4 da tarde. O vapor do café desenhava curvas sinuosas, que tentavam me dizer algo que eu ainda não tinha idade pra compreender. Abracei a velha. Segurei firme no tecido marrom de seu vestido. O país estava em guerra. Ela não sabia se ele - o velho - voltaria para casa. As roupas das mulheres da época eram feitas a partir das sobras que a indústria têxtil produzia para as roupas dos milhares, milhares de soldados. Um belo vestido marrom. Marrom como suas sobrancelhas, e seus belos olhos, que consolavam a água tímida dos meus. Ela sabia o que havia acontecido. Ela decifrara tudo, em um simples toque, um simples gesto de amor. Abriu sua bolsa. Estava cheia de pedrinhas novas. Eram pedrinhas coloridas, vibrantes, alegres, tão alegres que não pareciam viver aquela época. A velha pegou uma delas, e pôs em minha boca. Senti um sabor diferente, feliz. Um sabor que me fazia sentir menina.
Naquele dia, passamos o resto da tarde e a noite juntas. Ela me ensinou como mastigá-las, e a fazer incríveis bolhas a partir de nosso próprio fôlego. Confesso que algumas vezes, as bolas estouravam e minha cara ficava toda grudenta. Mas era divertido. Ao final da noite, estávamos todas grudentas. A velha pegou um pirulito, chupou-o, e depois enfiou ele dentro da minha paquinha.

O velho não voltaria mais.

Rum, ora essa!

-Ora, pois veja você! Olhe só essa sua vagina! É tal qual mariscos bélicos, é tal qual suprimento gélido, é tal qual beringela hidratante, é tal qual ardor de desodorante...

-Cale essa boca, lânguida avestruz! Não me obrigue a tomar atitudes sérias e preventivas contra o câncer de mama.

-Boquete.

-Como disse?

-Boquete! Boquete! É isso mesmo o que você está ouvindo!

-Ora, mas não entendo! Não consigo compreender!

-Sexo oral!

-Oh, como ousas! Vem comigo! Abre minha geladeira, e te convidarei para um brinde.

-Do que estás falando, Carlota?

-Ora, meu querido, não me venha com essa! Ouviu bem? Não me venha com essa, e mais essa, e mais essa! E nem com aquela, aquela outra, aquela outra da outra da outra da outridade de alguém!

-Sua proposta me parece interessante. Entre em detalhes.

-Ontem, eu tava em casa, né, aí a campainha tocou. Aí eu fui atender né, pensei: Nossa, mas como assim, uma visita, a essa hora da madrugada, em plena Rodovia dos Maracujás. Pois menino, quando abri a porta, tive que segurar meus queixos. Todas minhas juntas, todas minhas articulações puseram-se a tremer. A pessoa que tocara a campainha era nada menos que uma velha que usava top de cotton!

-Mas que absurdo! Que violento, grotesco e infiel absurdo! minha nossa...

-E calma aí, calma aí, meu filho, que eu estou só começando! Adivinha o que tinha atrás da velha?

-Um velho?

-Não! Algo extraordinário! Era um carregamento de maracujás!

-Que extraordinário!

-Minha geladeira está cheia deles. Vamos tomar um suco?

-Opa, demorou.

-Então vamos!

-Mas peraí!

-O que foi?

-E o Rum?

Uma moderna e bélica taça de atchim!

Devo dizer - absolutamente, sim (tal qual Maria Cândida, minha eterna dos seios doces, minha tenra ama de leite, minha singela das mamas em carne viva, quando gritava, quando gemia, oh! quando gemia! E quando verbalizava seus sentimentos, eram gemas fritando a estalar que eu via em seus olhos serenos, azuis e violentados. Ah, doce Maria Cândida! Nunca mais fui o mesmo, depois que li os versos, sim, aqueles versos - os quais me fizeram perder o fôlego enquanto eu ainda insistia, tolamente, em adoçar minhas panquecas com cinzas de fígado de avestruz! Oh, doce amada! Porque não dissestes antes que o fígado deveria ser de urubu? Quando dissestes isso, em tua poesia, não me restou mais estômago, rins nem pâncreas para sustentar o tamanho da devoção de minhas sobrancelhas diante de tua majestosa sabedoria. Doce amada! Que saudades tenho da pontinha de sua língua, tão úmida, tão quentinha, a fazer cócegas nos cachos dos meus -) que tudo isso que estou dizendo não passa de pura lorota.

Saúde! Passar bem.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Carta ao ano

Querido 2008,

É com um leve malejar nos olhos que te escrevo. Envio esta carta como forma de agradecimento. Uma carta de alforria. Uma carta de amor. Uma declaração de alguém que, sem querer, se apaixonou perdidamente por ti.

Minha sinceridade é boba, a ponto de dizer que a minha maior vontade agora é te abraçar forte, e não te deixar partir. Ms é o fluxo da vida, né?

Quando viestes a mim, um ano atrás, eras sonho, eras encantaria, deslumbramento, risco e frio na espinha. Hoje, és realização. Realização de um brilho no meu olhar, e de um sorriso aberto e escancarado, ao dizer: Como esse ano me fez feliz!

Foi contigo que aprendi a mais cruel das lições: o amar. E digo mais. Hoje, és promessa. Promessa de um amanhã ainda mais apaixonado, apaixonante e intenso.

Deixarás saudades... Mas 2009 vem aí. E ele há de ser cruel, e me fazer aprender tudo de novo.


Feliz natal, 2008. Eu te amo. Sempre te amarei, e te guardarei em mim, como a gota ácida de uma chuva de três horas da tarde, que sempre, sempre volta.

Sinceros abraços de um íntimo companheiro,

Eu.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Primeira e ultima vez.

Meu querido diário,

Hoje tenho coisas extraordinárias a lhe dizer. Hoje perdi minha virgindade.
Chegando na casa do meu ex-namorado, já decidida a perder a virgindade com ele, reparei em suas atitudes. Ele estava estranho de uma forma não muito agradável, sei lá. Parecia nervoso com o que iria acontecer, então me chamou para dentro do quarto. Inocentemente, entrei, olhei em seus olhos e lhe disse para ir com calma, pois era minha primeira vez. Mas não...
Ele me puxou com uma brutalidade toda, rasgou minha roupa com suas mãos e sua boca, me fez chupar toda sua pica. Sua pica era de tamanho extraordinário. Penetrou totalmente dentro de minha boca, fazendo encostar até o final da minha garganta. Totalmente uma "garganta profunda". Foi uma coisa de outro mundo! Confesso que deu um certo prazer, mas realmente senti um nojo, quase vomitei naquela pica enorme.
Já desesperada, pedi para ele ir com calma, pois era minha primeira vez, mas ele não estava nem aí! Continuou totalmente na brutalidade comigo, logo me deixando de pernas abertas. Socou tudo dentro de mim, sem dó nem piedade. Gritei, gritei, chorei de dor, pedi à ele que parasse, pois estava a doer muito, mas ele não parava. Continuou bombeando fortemente com ferocidade, gemendo de prazer (eu estava a sangrar pelas pernas, virando-me e ficando de quatro). Pôs-se a penetrar e começar toda aquela dor novamente... Faltou-lhe somente socar suas bolas dentro de mim. Foi horrível. Eu, já chorando, pedi que parasse, pois não agüentava mais... Mas ele não ligava, batia na minha cara com força, e chegando ao seu orgasmo, meteu-lhe sua incrível pica novamente em minha boca, fazendo-me engolir toda sua gala. Saí cuspindo tudo no chão, o empurrei e me vesti.
Depois dessa minha “experiência sexual”, nem um pouco agradável, saí correndo pela rua em direção à minha casa. Precisava desabafar isso para alguém, e nada melhor do que meu querido diário.
Meu querido diário, estou aqui para lhe dizer que essa foi a primeira e última vez que transo com homem. Peguei nojo de homens.
Acaso lembro-me de que tive uma experiência com uma coleguinha de escola quando mais jovem... Depois dessa brutalidade que esse homem me fez, decidi minha opção sexual.
Ah, meu querido diário! A partir de hoje, chuparei muitas bucetas por aí! Não quero saber mais de picas me penetrando. Homens em minha vida sexual jamais!

Muito obrigado querido diário.

Beijos e... tchau.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Doce Coração (saudade mata!)

Quando você provar do meu coração, me dirá o doce que a vida é. Quando provar meus olhos, enxergará tudo o que eu sempre quis te dizer. Quando provar de minhas orelhas, vais sentir o quão suave é a nossa música. Mas quando provar do meu nariz, vai sentir gosto de bostela.

(...)

-Estela! Estela! Desça já daí, amada! Veja que me vesti em trajes adequados para te levar embora daqui! Estela! Estela!

-O que desejas aqui, reles mecânico?

-Vim buscar a Estela. Estelaaaa! Esteeeelaaaa! Me ouça!

-A sinhá não está recebendo visitas. Caia fora daqui, antes que eu tenha que chamar os cachorros. Ou então, ligar para o corpo de bombeiros. Ou então, descer até aí e resolver tudo isso com minhas próprias mãos.

-ESTELAAAA!

-Você vai me obrigar a resolver essa situação com covardia e força bruta? Eu acho desnecessário...

-ESTEEELAAAAA, ESTEEELAAAA!

-Já disse que ela não vai descer, rapaz! Tenha juízo, salve sua vida! Junte sua mala de ferramentas, e vá logo embora!

-ESTELA! ESTELA! ESTELA! ESTELA! ESTELA!

-Pérfido, idiota, assassino, ininterrupto! Eis o momento em que a minha paciência se esgota! Me obrigas a tomar atitudes violentas, cruéis e desumanas!

-EEEEESSSSSTELAELAELAELAELAELAELAELA

-Ponho-me a preparar o grande ritual da chuva de canivetes! Agora já é tarde demais! As lâminas cairão dos céus e perfurarão teus olhos, teu nariz e o teu coração!

-ESTELA, ELA Ê, Ê, Ê, UNDER MY...

-Que se inicie o ritual! Que a cadência furiosa dos deuses de deposite das nuvens do céu sobre a grama da terra! A partir desse instante, tudo se tornará graxa e sangue!

-ME DÊ UM E! EU QUERO UM S!...

-VEM CATÁ RIO DE SALSA MOIÇAMBÁ ÔÔÔÔ TUBIÊ, TUBLIÊ MACHU, ÚUU, BATICUNDUM...

-ESTELA, CADÊ VOCÊ? EU VIM AQUI SÓ PRA TE VER

-TRAMANDA FUNESJIO CATABENDUS ROMPTUPTURANDES, BONGO TRABANGO LINDU CARANDIRU, PRAÇA DA SÉ VIRANDO MENINA BACANA

-ESTELA! DESCE LOGO DAÍ, CARALHO!

-HAHAHAHA! AGORA! AGORA É O FIM! AS NAVALHAS JÁ COMEÇARAM A CAIR! TENS APENAS CINCO SEGUNDOS DE VIDA!

-ESTEEEELAAAA, MEU AMOOOOR, VIM TE BUSCAAAAAR...

(...)

Vejo meu amado pela janela. E sei. Sei que seu coração ainda está a pulsar por mim. Cinco batidas. Sei que eu deveria ter tido a coragem de sair daqui. Mas, por mil demônios, meu corpo pesa demais, não consigo levantar! Será que o amor é passível de esquecimento? Será possível que ele tenha se esquecido de que eu sou paralítica desde a infância? Não consigo alcançar a maçaneta! Maldita Irene! Me arrependo amargamente do dia em que a contratei como governanta deste maldito galinheiro! Nunca a perdoarei por ter usado minha cadeira de rodas para transportar ovos contrabandeados... Nunca! Maldita... um dia (e esse dia há de chegar!) eu me vingarei. Vingarei minhas pernas, e o meu amor. Sei que quando as pontas que vem do céu chegarem perto, elas virão e verão o quão injusto é matar quem clama por paixão. Se sentirão culpadas, se sentirão sujas, lambidas, e perceberão que há sete mil jantares não sabem o que é bombril. E quando tocarem o seu corpo, será o último toque capaz de sentir o quão doce é o sabor do seu coração (uma chuva de flechadas de um cupido diabólico).

Socorro, amor! Meu nariz está gelado e seco!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Bruxas.

Bruxas. Era o que poderiam ser chamadas aquelas duas mulheres, que ao meu ver eram ogras. Sentavam no mesmo lugar todos os dias, somente pra observar o andamento das coisas ao redor. Fingiam trabalhar desde que passaram em um concurso mensal, daqueles anunciados em sites de fofoca. Era um local de renome até, mas que abrigava concursados que faziam de tudo, menos trabalhar.

O setor era a biblioteca. Até hoje não sabia do que se tratava os deveres de cada uma delas. Já havia percebido que aquela de cabelos escorridos dirigia seu olhar caído e desgostoso para alguns documentos espalhados pela mesa. Desde então cultivo a idéia de que cursou letras em alguma faculdade local para então corrigir a gramática de papéis provenientes dos diversos setores de onde trabalha.

Sua missão era o português correto. Boa missão, melhor que muitas, diria eu. Se não fosse a fofoca. O português era tão correto que gostava de perpetuá-lo na vida de uns e outros que a transpassavam. Sua língua era quente, não gostava de parar. Creio que a única que chamava de parceira era a outra velhaca magricela de cabelos curtos e óculos de aro grosso. Nojenta, acompanhava os cabelos escorridos de sua dita “amiga”. Acho que havia ganhado o mesmo posto de corretora de língua portuguesa – malditas!

Cor de rubi

A música tocava insistentemente. Uma mistura de Beethoven e Bach trazia notas melodiosamente tenebrosas. Rita conseguia apenas enxergar aquele vermelho no chão, um sangue que contrastava com o azulejo branco de seu quarto. Aquele que um dia abrigara o amor de um casal apaixonado, ela e seu marido: Raul.

Os olhos estavam abertos. Rita tratou de fecha-los rapidamente, não suportou o olhar fixo daquele cadáver. Cortou fora a cabeça, a fim de manter pelo menos ali, em suas mãos, a vida de seu agora então, ex-eterno-marido. O mesmo a quem considerava amante, companheiro e tudo o mais.

Rita passara seus quase trinta anos procurando o sucesso. Sua visão – e também sua meta – era a carreira, o lado profissional sempre saíra vencedor. O lado pessoal, e também amoroso, era deixado de lado na maioria das vezes. Sua criação fora bastante opressora e de um enorme trauma.

Tinha uma irmã, Heloísa, a caçula. Esta última sempre atraíra a atenção de todos, fazendo com que Rita se sentisse desfocada, abandonada por muitos. Seu ciúme – ou inveja – sempre fora muito grande, e como conseqüência, crescia dentro dela uma angústia e dor intermináveis, a tornando fria como pedra, apesar de sempre querer mostrar seu lado humorístico e simpático, mesmo sendo tão mínimo.

Empresária bem sucedida, não tinha do que reclamar em termos de carreira e profissão. Beleza também tinha, em um bom grau. Mas esses fatores não a preenchiam... Passara sua vida inteira, até o presente momento, esperando cumprir seus planos, achando que a realização viria conseqüentemente como fruto do sucesso. Mas não.

Quando conheceu Raul, aos seus trinta e poucos anos, começou a mudar aos poucos. De repente, já se podia perceber um sorriso verdadeiro em seu rosto. Suas feições haviam mudado. Já via a vida de uma nova maneira, as cores se tornaram mais atrativas, seu mundo agora era repleto de uma nova energia.

Julgava Raul como um presente, e de fato, a fazia muito bem. Quando Petrus nasceu, se considerava a mulher mais feliz. Porém, Heloísa sempre estava por perto. Parecia rodear aquela casa com a sua vida solitária e infeliz, como uma mosca atrás de restos aproveitáveis. Rita começara a incomodar-se. Sentia-se invadida, principalmente com as visitas incessantes, não somente em horários usuais de visitantes comuns, mas com a freqüência em que aquele hábito era feito.

Verdadeiramente, não gostava de assumir, mas nutria um ódio de proporções enormes pela sua irmã. E a respeito de Raul, Rita já ocupava o cargo de ciumenta, sempre fora. Talvez como uma conseqüência de sua insegurança já antiga. Mas com a freqüência de sua irmã em sua vida – aquela vida em que julgara que encontraria uma saída para aquele convívio familiar infeliz – via tudo o que construiu indo por água a baixo.

Nascia a quintessência de seu ser. Renascia das cinzas, na verdade. Esse seu lado, que muitos diriam ser o diabólico, já a habitava a tempos. A culpa era de Heloísa, Rita acreditava. E agora, a primogênita carrega a culpa do renascimento também. As cinzas, foram feitas por Raul. Seu marido havia a transformado em alguém melhor, muitos diziam – inclusive sua consciência.

Porém, assim como Raul a fazia ser alguém melhor, Heloísa trazia o efeito contrário. O ódio só fazia crescer cada vez mais em de Rita; mas decidiu acalma-lo – pelo menos por enquanto.

Em um dia, que Rita achava que era apenas mais um dia qualquer, chegava cansada em casa, como era comum acontecer. Havia passado o dia em reuniões estressantes, fechando contratos importantes com empresas nacionais e internacionais. Chegou mais cedo e Petrus ainda estava na escola. Andou até seu quarto, com saudades de Raul. Mas ao abrir a porta, avistou Heloísa nua, naquela cama onde jurava que ninguém, além dela e seu marido, poderia estar. Raul estava em êxtase, até a perceber no quarto.

Beethoven e Bach tocavam suas melodias, assim como seu marido sabia que Rita adorava. Ela então percebeu que todo o ambiente estava igual a como costumava ser. A única parte que destoava o lugar-comum, era aquele ser repugnante, sua irmã mais velha.

Não sabia porque, nem como Raul tinha sido capaz de tal gesto assombroso. Naquele exato momento, sentiu como se houvesse morrido, então agiu impulsivamente, como nunca agira antes em toda a sua vida. De uma hora para outra, seu ódio transferiu-se para o marido. Esqueceu-se de Heloísa por alguns instantes – esses mesmos que a permitiram escapar – e apenas queria vingar-se de Raul. Aquele seu marido que sabia o quanto sofrera, mesmo que calada, por tudo que sua irmã havia feito.

Em uma gaveta de seu criado-mudo, guardava um facão, para qualquer necessidade inesperada. Chegara a hora então. Com aquele instrumento perfurou o coração de Raul, fazendo com que este nunca mais pulsasse por ninguém, nem por ele mesmo. Surgiram mais nove golpes. Seu marido já estava sem vida, porém seus olhos a fitavam friamente com olhos de cadáver. Fechou-os. Então, quis guardar aquele rosto para si. Cortou a cabeça de Raul, querendo apenas olha-lo.

Deliciava-se com o brilho do vermelho, aquele lago cor de rubi. O contraste com o branco do chão realmente parecia ser como um quadro de arte moderna, e Rita adorava.

Seus braços doíam. Quem a agarrava? Não, não queria aquelas longas mangas brancas. Não conseguia mover seus braços... O que estava acontecendo? Heloísa... Não, o que Petrus estava fazendo ao lado dela? Porque estavam a levando para fora? Que lugar é esse? É hora da homeopatia!