sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Trabalho digno

Sim, falei para Dona Mari que ia, e vou. Vou tranquilo, estou tranquilo, ficarei tranquilo. Ai, que vontade de fumar um cigarro... pena que eu não fumo. Tá chegando, acho que vou descer nessa parada, ando duas esquinas, repenso se quero isso mesmo. Droga, ele queimou a parada. Merda. Ok, eu não vou descer, não sou obrigado mesmo. Isso vai me dar um trabalho desnecessário. Mas porque eu já estou de pé e puxando essa merda de cordinha? Fudeu, desci.

- Olá. Boa tarde. Ahn... o Sr. Eduardo.

- Um minuto. Seu Edúúúú, mais um.

- Manda entrar, já vou.

(Suei)

- Entraí. Seu Edú já tá vindo. Qué um suco, uma água?.

- Tem suco de quê?

- Laranja. (Oba!). Com vodca. (Adoro!).

- Não, obrigado.

- Certeza? Sempre é bom dar uma bicadada.

- Não, já disse. Você pode me deixar sozinho, sim? Preciso me concentrar, e eu não bebo em serviço, a coisa pode sair... distorcida.

- Tá bom.

Nossa mãe, que quadros horrendos. Esse apartamento fede. Muito medo. Eu tinha merda de urubú na cabeça quando escolhi essa área.

- Olá, moço bonito.

- Err... oi... beleza, véio?

- Tudo de boa, mas não me trate como se eu tivesse a sua idade, isso me faz sentir mal.

- Ok.

- Vamos para o quarto, sim. Não posso demorar muito com isso.

E fomos. Vocês certamente desejariam ser mosquinhas voyeur para ver a loucura que foi naquele quarto. Pêlos e suor espalhados pelo chão. Um serviço como nunca antes foi visto. Bem feito, um trabalho excepcional. Senti orgulho da minha profissão ao ver o estado de glória daquele homem. Ninguém nunca havia entendido aquele corpo como eu entendi, em cada centímetro, cada dobrinha.

- Quanto é?

- 300 reais.

- Pago com gosto. Foi o melhor até hoje.

- Por favor, indique naos amigos.

- Dona Mariana sempre tem os melhores profissionais, juro que tremi na base quando ela me disse que era um homem, você sabe...

- Seeei. Relaxa, fico feliz que tenha apreciado o trabalho. E, por favor, indique. Não esqueça, meu nome é Loshawer.

- Pode deixar. Até breve.

- Breve? Oh, não. É satisfação grantida por semanas.

- Certo, certo. Até.

- Até.

Fui-me. Depois desse eu preciso de uma semana de férias, pelo menos.

- Gelda, trabalho maravilhoso.

- Tô vendo, seu Edú. Tá lisinho. Agora ele podia ter limpado aquele quarto, né? Porra, vai ser uma semana pra terminar com aquilo.

- Ah Gelda, cala a boca.

Ursos definitivamente não deveriam se depilar.

domingo, 16 de novembro de 2008

Alcochoado de pavor.

É muito pior saber da existência da traição no momento em que está sendo feita, do que depois. Tem-se como prova de – pelo menos – respeito, quando se omite tal fato afim de não magoar aquele que é atingido. “Você precisa parar de ser inconseqüente”, diz. Inconseqüência ou loucura? Loucura ou pavor? Pavor ou medo da perda?

Tal ilustre pessoa se faz corrompido pela própria falta de juízo que condena. Faz igual, somente para se vingar. Faz, e faz de maneira à outra saber. E sabendo, a dor se torna aguda a ponto de ser chamada de insuportável.

Escadas abaixo o núcleo teatral está pronto. A vingança está feita. Com quem? Com quem ela mais teria nojo de saber... e sabe.

Foi comparada a ela. Engole a seco, com certo asco. Até que ponto o réu pode culpar-se? De alguma maneira existe esta diferença? O juiz – se pode ter esse papel – poderia de alguma maneira julgar? Talvez um dia fizesse igual. Teria pena, medo, pavor e amor em cuidar dos ouvidos de certa pessoa a ponto de não querer que nada – exatamente nada – o machucasse. Mesmo que fossem seus próprios atos. Atos infames. Loucos, desnudos.

Ovos e palmito. Algo bem fácil para uma garota solitária. Bem fácil para um garoto seriamente machucado. Todos gostam de tortas. Porque não? Não importa seu rosto estranho. Você tem um corpo legal. Não custa nada. Eu sei que vou gostar, tenho que gostar, porque ela vai odiar. Isso é bom. É bom, não é?

Ensaio gritos felizes. Porque assim solto meus ruídos de angústia e faço parecer cantos engraçados. Bato na mesa, assim transporto a minha dor. Pra ela, estou imitando algum baterista, isso é bom.

Tento não lembrar do rosto que tanto gosto. Eu o perdi. Ele fez-se perder, não quer ser meu.

Parabéns... Boa sorte. Você conseguiu. Meu coração está repartindo-se. A dor não chega somente ali, mas se espalha por todo meu corpo. Minha cabeça parece estar gostando de latejar. Vou andar sozinha, nesse caminho de tijolos quebrados.

Como já ouvi um dia: “Seu coração está quebrado, mas este é um órgão de recuperação incrivelmente rápida”. Passar bem.

Não consigo ir embora. Sei que não te mereço, mas quero ficar ao teu lado. Não é egoísmo, mas quero te merecer.

domingo, 9 de novembro de 2008

Se.m.ana

Não sei porque, mas sempre me prendi em tudo que desejava falar. Não bem falar, mas expor, discutir tudo aquilo. Algumas coisas pareciam sem sentido, mas por tanto te amar, fazia um quase-esforço pra tentar entender. E entendia.

Agora tudo parece errado. Quando meço cada palavra tua (medida por mim, e não por ti), assim como tuas ações, cada vez mais contínuas, tudo parece tão – e somente tão – errado.

Não consigo entender o porque do meu tão santo (e burro) entendimento. De repente toda aquela tão intocável verdade parece suja mentira: como lama caída.

Me sinto idiota. Acima de tudo, idiota. Aliás, existiam mesmo aquelas palavras? Será que apenas não as imaginava saindo de tua boca, quando apenas fazias aqueles teus ruídos – aqueles, só teus? Pronto, lá se vai a minha magnífica paixão pelos teus gestos. A minha tão inapta capacidade de querer relacionar-me contigo. Me diz, pra que? Estás tão à flor da idade, queres provar de todos os frutos, de todos os gostos. Porque hei de atrapalhar-te?

Vou-me embora. Foste embora. Enfim, foste embora.

Não gosto de parecer dramática, mas sou assim. Não queria sentir ciúmes, mas sinto – aos litros. Acho que pedes demais. Não consigo te imaginar numa tarde úmida-seca, nos braços de outra pessoa. Como a odeio! Mesmo sem ter que odiá-la, na verdade. Deveria te odiar. Deveria odiar a tua (suposta) confusão, a tua suposta indecisão, teu não-saber-o-que.

Queria ser a imatura pra poder não me sentir mal ao beijar outras bocas; pra poder aceitar outras mãos, outros braços, sem lembrar dos teus. Não deveria ser assim, disso tenho certeza. Deveria poder te esquecer.

Estás longe, qual a minha idiotice em acreditar no destino, em sonhos... Não consigo trabalhar. Corto papéis e penso em ti. Penso que estás ao lado dela, distribuindo aqueles beijos (dos quais eu tanto gostava) em seu corpo magro.

Podias ter ficado mais tempo. Mas quiseste vê-la. Uma sema. Uma semana Uma semana. Uma sem. Mana. Sem. Ama. Se ama. Se amam. Amam-se.

Vício

Quanto te olho, não sei o que me dá. De repente começo a percorrer pelas tuas mãos, teus braços, teus cabelos, teu sorriso... Queria que não fosse apenas com os olhos. Sei que estás longe. Também sei que devo te esquecer. Às vezes realmente consigo acreditar que te esqueci, te deixei de lado; mas é fato que a saudade vive ao meu redor.

Hoje senti como se tivesse um fantasma ao meu lado. Algo como uma força espiritual, não sei. Senti teus braços em mim, ao meu lado. Devo estar ficando doida, espero. Deve ser coisa de alguns momentos, como já tive bastantes, por tua causa também.

O tempo passa, e sinto cada vez mais que vou conseguir te deixar de lado. Não completamente, claro, mas vou conseguir seguir com a minha vida. Já seguiste com a tua, não é mesmo? Aliás... não tenho outra escolha. É melhor assim. Agora sinto como se tudo que me disseste um dia estivesse se esvaindo. Não consigo suportar ser uma opção, nunca soube lidar muito bem com isso. E se sentes o mesmo por outra pessoa, que seja.

Me rendo. Quero viver, quero um futuro. Já te disse que não quero mais sofrer, só que... porque ando tão confusa? É tua culpa, de alguma maneira? É estranho, me senti feliz, me senti bastante realizada com outra pessoa... porque durou tão pouco? Porque de repente senti náuseas e vontade de ir embora? E ainda continuo no meu vício de acreditar no que e em quem não se deve. Acho, realmente, que sou masoquista de alguma maneira. Acho que devo gostar da dor.

Me rendo de novo. Quero deixar de ser confusa. Vou ficar só e vou parar de pensar nas outras pessoas. Tenho que pensar em mim mesma, somente (pelo menos por um tempo). Se alguém merecer, vou tratá-la de uma maneira bem especial, mas por enquanto penso assim. Vou realmente pensar mais em mim mesma. Foda-se.

Mãe

Os teus cílios se fecharam e nunca mais pude ver o brilho que saía dos teus olhos. Carinhoso, olhar de mãe. Por onde irias, por onde andariam teus olhos?

Não mais segurarias minhas mãos. Estas mesmas que suavam frio ao ver teus lábios secos e brancos, sem vida. Toda uma fantástica vida e significância dentro de uma caixa de madeira, igualmente morta.

Não tive tempo de comprar rosas, mas achei essa margarida, solitária em meio à uma cidade conturbada. Ela não estava murcha e seu amarelo era vivo e alegre. Achei importante ficares com algo assim.

Quero tuas mãos, mãe. Preciso de teus abraços fortes. Não sou eu quem vai cozinhar aquele bolo perfumado e delicioso de tardes de domingo. Não queria derramar essas lágrimas malditas, mas porque essa doença te tirou de mim? Já não sou solitária o bastante?

Não vou suportar tua ausência. Tanto que falei alto em horas ruins, tanto quis chamar a tua atenção, mostrar que precisava de ti. Eu te amo, e amo, mãe.

Pedras cintilantes

- Entra!

- Não quero. Tenho medo de você.

- Porque?

- Não sei. Apenas tenho medo.

- Eu não mordo.

- Não tenho certeza. Tua cara me faz sentir flores em mim. Qual é o teu problema? Porque não ages e reages normalmente? Acaso és de pano? Não tens vida?

- Eu só queria que viesses até mim.

- Não sei com qual intuito.

- Eu queria tanto te abraçar...

- Sai de perto de mim! Não tens porque quereres isso. Acho que és louco.

- Não, não sou louco. Vamos até a beira do rio.

- Só se prometeres não segurar minhas mãos.

- Não segurarei. Só queria sentir teu cheiro.

- Porque ainda estás com esses óculos? Não te avisei que assim não enchergarias a verdade que quero te mostrar?

- Não, eu tenho medo. Prefiro acreditar no que vejo. Prefiro ver apenas o que acredito que exista e que seja.

- Covarde. Nunca vi alguém tão covarde.

- Não sou covarde.

- É, é sim. Não apenas covarde, como burro. Não sentes que necessitas de algo maior? Tua vida é oca, meu amor. Eu sinto, vejo isso. Deixei meus óculos na beira da estrada, e eles foram quebrados. Agora só vejo a verdade nua e crua, não sinto aquela fantasia efêmera que sentia... Sinto falta. Queria lentes que me afastassem desse cinza em que me transformei. Não acredito em mais nada, nem em você.

- Eu não quero e nem peço que acredites em mim.

- EU NÃO ACREDITO EM TI, JÁ DISSE!

- Eu não quero isso.



Quebrou os óculos. Tirou-o da realidade fantasiosa de pedras coloridas e embalsamadas. Raspou-lhe as sobrancelhas e cortou-lhe o cabelo. Agora estava nu, estava cru em carne e em espírito. Já podia ver, mas não o queria. Quis matá-lo. Quis matá-lo. Quis entregar-lhe pedras cintilantes, onde répteis defecavam. Odiou o mundo.

Palavra

- Estás usando a palavra, estás usando!

- Eu não tenho culpa, tenho que dizer.

- Não, não. NÃO! Não quero ouvir.

- Mas porque? É o que eu sinto.

- É o que eu odeio. É o que eu sempre não quis ter.

- Não faça isso.

- Faço sim, a culpa é tua, toda tua.

- Não te entendo.

- Acho que nunca vais entender.

- Não vou mais dizer nada, só queria que amargasses essa frescura dos teus pensamentos impróprios. Fazer o que, né. És completamente estúpido, ignóbil.

- Ah, melhor saíres da minha frente, petrificado. Senão te petrificarei.

- O que? Haha. Tenho pena de ti, ser espalhafatoso.

- Me peita, me peita então! Pensa que eu não sei, é? Fazes de conta que não és uma galinha, mas morres de medo.

- Eeeu? Medo? Vai te fuder, ó santo estúpido. Vamos rir juntos da tua tristeza plena.

- Eu não, prefiro te massacrar com meus olhos. Minhas mãos já cansaram de te bater, agora só vou te perfurar com as minhas palavras de sangue, amigo. Agüentas esse olhar, hein? Agüentas?

- Eu te amo.

Ônibus

- Oi, quanto tempo! Posso sentar ao seu lado?

- Ah, oi! Pode sim. Não repara não, é que eu estava "viajando"...

- Ah, você está viajando?

- É, estava perdida olhando pro horizonte.

- Ah sim.

(longo silêncio)

- Você está bem?

- Sim, estou. E você?

- Também.

(silêncio de mais de 10 minutos)

- Será que vai chover?

Olhando com um olhar quase que angustiante, de quem não tem mais saída.

- Acho que não.

Ela já esboçava um quase-sorriso, ao respondê-lo. Ele já meio conturbado, sem saber o que fazer, explode:

- Escuta, estás passando por algum momento ruim, algum problema profundo, por um acaso?

- Não. Porque?

- É essa sua cara... essa sua cara. Estás com um olhar tão penetrante que ao menos consigo encará-la.

Ela não falava nada, exatamente por não querer falar nada. Não sabia por que, mas não se incomodava mais com esses silêncios prolongados. Agora gostava. Também não via maneira de se explicar o porquê de não estar pelo menos se esforçando pra criar algum tipo de comunicação entre ela e o velho conhecido. Apenas não sentia a necessidade de saber, perguntar sobre a vida dele pelo simples fato de não ela não querer. Não queria, não perguntava. Gostou do silêncio, gostou daquela situação estranha, sabe-se lá por que.

- Ah, é. Não ligue pra isso, é só a alergia.

- Bom... essa é a minha parada. Até um outro dia, quem sabe.

- Até.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Casamento meu bem

Com seus sapatos voadores e sua voz grave viu as pessoas dizendo adeus, foi criado em um bairro estranho, diferente dos outros tinha um nó no estômago, seu rosto era daqueles confiáveis para se perguntar as horas. Deve fazer sentido falar dele, um transeunte cheio de carga naturalmente positiva e a seu bom grado negativa.
Com uma dança estranha se tornava rei do chuveiro e o mundo pós-porta sumia, ele tentava ser despojado, mas esquecia o nome da recepcionista na entrevista de emprego, seu coração parecia sempre estar prestes a pular na bancada. Tinha potencial para ser galã aos cinqüenta anos, enquanto isso suas sobrancelhas cheias dariam conta da vontade galante de se envolver na penúltima música.
Para ele o mundo é um parque estranho pulsando vermes coloridos, é atrasado para ser feliz e bom a todo momento. Parece que tudo está bem nos vestidos florais das crianças e as águas parecem se debater tranquilamente, da janela dele a revolução é a hora do rush. No papel da lista do supermercado as pequenas crianças céticas fazem desenhos de pessoas com olhos imensos e corpos miseráveis, escaldando debaixo de um sol ironicamente sorridente na visão do homem carga naturalmente positiva. Quando for pai achará as esquinas perigosas, mas continuará populando sem planejamento e esse não será o quadro para o qual se sente prazer de olhar nos cafés da manhã.
Sua dança é coreografada e sua farsa é fácil de ser descoberta, se o ônibus lhe esperasse seria ele mais completo. Está tentando ser emancipado de tudo de novo, mas ainda queima as torradas feitas dos pães de ontem. Raspou o cabelo no banheiro imaculado de uma peixaria e mudou o comportamento, é voyeur dos seus amores cretinos, ele é o homem.
Quer mudar esse jeito covarde, lamber as melhoras do espaço, reproduzir o estilo de um cara modista. Vou logo avisando que é difícil ser um copiador, a respiração da mentira é acelerada e as pessoas vão te pegar no pulo. É perigoso a trajetória de um corpo desprezado e cheio de complexos que a vida amamentou, fico feliz se a terapia das terças funcionar e se o boliche for o suficiente para espantar os medos dele.
Abra os braços, misture teus lábios com o meu cérebro, esse momento será uma espécie de stripper filosofal, quebre suas carências durante cada passo desse jogo de câmeras. De repente pode aparecer um substituto e arrancar tua alma para fazer alguma coisa feliz ao longo do sorriso de quem volta para a parte difícil do couro cabeludo da loucura. Andarilho feroz em círculos ambiciosos de paixão e sucesso, apostando na mesa de grama todo seu olfato de campeão haras, assim que te quero.
Me assista dando pulinhos na corda colorida de crochê, estou dançando com as cortinas e obviamente cantando as canções de Sinatra. Sou a noiva mais feliz de três quadras no bairro mais antigo da cidade. Sou a noiva que diz que chá é bom para circulação. Não importa os anos que se passaram, esse momento é um livro pesado, as ligações que trocamos serão pagas pelo padre e não há nada perfeito, mas de resto tudo vai indo bem. Dividas e panquecas nos esperam nos próximos anos, fique feliz comigo, finalmente amando um lírico, nossa foto na parede, tu colorindo meus juramentos e os gritos calados dos lençóis de núpcias.
Tem uma besta dentro de mim quando pareço esquecer que estou presa a ti, o relaxamento na banheira não resolveu, sou rápida na roleta russa e algumas vezes eu fui boazinha, era uma garota cheia de presentes na voz, ganhava qualquer um, já disse, tenho uma besta quando tenho raiva de alguém, plano azedo na cutícula, o nervosismo te matará pela boca.
Sou a mulher que dança dentro da seringa dos hormônios à pupila dos olhos. Tenho milhares de faces para te mostrar, faço sua ferida secar, canto todas as cantigas de vegans e carnívoros. Vou dirigir, cruzar países contigo absorto nas palavras cruzadas nível avançado, não seremos os namoradinhos do Brasil, seremos os nojentinhos dos postos de gasolina beira estrada e quando me amares eu te deixarei no primeiro boteco fim de mundo.
Todos os dias sentamos lado a lado e tu nunca esboças nada, ficas aí idiotizando tua própria carcaça que grita por um beijo molhado e cruel na tua nuca, que vê e percebe o mundo melhor do que um pássaro preto, cheio de blondor nas asas surradas de malicias por um ser humano de brutalidade esporádica. Te amo porque não corres para mim, não sonhas em possuir e sabe muito bem contemplar.
O barulho das tuas pernas inquietas no sofá de couro me enlouquece de raiva, quero me ver livre da sala de espera, do palitar dos teus dentes, tenho raiva porque tua pele tem poros. Tu me destes mais do que alguém teve coragem de tentar, gosto de ser a besta, nesse ponto a proteção de Aquiles é não dizer o nome.
Se me apaixonar serei a maluca que anda pelas ruas com os seios de fora sem os seios de fora, mesmo assim pretendo correr o risco. Não me diz que a ampulheta foi roubada, eu preciso sentir que estou me vulnerabilizando. Dessa vez o meu plano é me sentir uma ex-criminosa porque tudo que espero é tomar um café descompromissado contigo, com a minha pior face, a que ama.
As paredes descascaram esse final de semana e todas as embalagens de biscoito estão dentro da pia sendo corroídas pelas formigas do brigadeiro fundo de panela. Minhas axilas sentem falta do desodorante da moda veraneio e as remelas do meu olhar estão gritantes e até bonitas, mas apenas para quem consegue se acostumar com o reflexo maltratado da maquiagem velha no espelho. Dessa posição posso pegar o copo com água enquanto uma barata assustada corre em cima das pontas duplas do meu cabelo queimado cacheado de lua.
Tem um cachorro lambuzado de maniçoba olhando os livros de sebo na bacia amarela de roupa limpa, ele coloca a língua para fora e cospe um abajur cor-de-rosa da casa da morena de neve, cujas pernas são a estrada do veludo de um Cônsul mudo. Passaram-se sete dias dessa aventura de podridão ao meu redor e já não sou a mesma. Sou Jack White recortado e colado na mesa de uma freira que quer ter uma família, sou um chinês de Nova Orleans, sou um Vestido nudista comendo vatapá.
Não entendo porque minha opção te quebra, quero mostrar algo que ninguém entende, vou para lugar nenhum passando por um ponto fixo. Uma orquídea sonegou o imposto de renda e ninguém a perdoou, é uma escrava do floricultor, obrigada a ser rosa nas quintas e no happy-hour hortelã.
As paredes descascarão no próximo final de semana e não quero estar aqui, vou ser feliz, reclamar de sorvetes derretidos, experimentar roupas de departamento e ler livros emocionantes com um recurso externo, o sacolejar do ônibus.
Quero engolir todas as pessoas interessantes, saboreá-las devagar, mas com a rapidez de um para sempre. Cada sorriso de começo de piquenique, cada risada de maçã verde e cada esvoaçar de cabelo sedutor, vou pôr na boca e falar como um mal-educado no jantar do Itamarati. Quero sentar na varanda e arrancar a pele do melhor poeta do vilarejo, que fica nos confins de um país coadjuvante, onde as mulheres são o banho quente do homem congelado na poesia do afago e na ética comportamental.
Se abrires a janela meu corpo flutuará despido por uma linha eletrônica invisível, enquanto isso minhas mãos te escrevem um pedido de desculpas daqueles que ficam entre a geladeira da década de oitenta e um imã que se ganha em um chá de bebê.
Se não tivesse as unhas do pé veria minha pele daqui a quarenta anos, seria mais praiano mesmo odiando praias, não preciso de unhas para engolir as cartas, as pessoas, os jornais, a sonoridade dos Hendrixs e o olhar melancólico dos Buarques. Vontade estranha de comer cebolas descascadas com faca azul e ver as lágrimas falsas brotarem.
Comi seis batatas cruas a semana inteira, o cheiro de leite com ovo delas me impregnou os lábios, foram dias que me queimaram o pensar e me aguçaram o sentir. Comi os minutos contigo, engoli nossa conversa fila de banco e regurgitei um livro de sorrisos teus, teorias cotidianas, defeitos físicos bonitos que saltaram do teu corpo para o meu querer, olhei para ti com o olhar canibal da ilha dos que amam o interessante. Era errado não me importar com o tempo, com as responsabilidades momentâneas.
A vida ia seguindo seu curso nada natural e as bibliotecas se partiam mais verdadeiras e a fauna gritava mais psicodélica, eu era uma espécie de velho cirurgião cuja as mãos tremiam com o bisturi, tu eras a obra e a própria moldura, quis te levar para ser minhas manhãs e meu recostar no travesseiro dos cochilos da tarde.
Agora depois de te conhecer sou o ingresso do teatro municipal rasgado ao meio, parte perto do espetáculo e parte na contagem emocionante da bilheteria.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Aquelas elas

ELA- É como se eu tivesse ficado sentada de pijama no quintal, esperando um pé de feijão brotar do algodão molhado. Já diz o poeta: “Acorda, acorda Joana! As palavras que dão tremilique nas pernas foram ditas”. Vou sem muita vontade pra frente do espelho escovar os dentes, do molar ao molar, matutando sobre a refeição dominical e escolhendo a melhor alface para a salada. Podes então pôr sal no que eu esqueço. Loça suja na pia, lavar não quero, conversar contigo?! Aceito de bom grado.

(entra em cena Aquela)

AQUELA- Seu sorriso sacana profissional até parece bonito daqui.

ELA- Quando chegas falta em mim cartas na manga, manga da manga e não manga da blusa.

(pausa)

AQUELA- Consigo pensar que a culpa sempre foi minha.

ELA- Trinta mil portas se fecharam pelas minhas costas, cada canto do meu quarto está imundo. Mas desde que te conheci só quero arrumar meu paladar e inventar a desculpa de perguntar as horas pra manter contato.

AQUELA- Aceita passar a insônia na sorveteria? Serei o sorvete de manga e você o de menta.

ELA- Quero gargalhar vendo as palmilhas dos nossos tênis encharcadas pela chuva.

AQUELA- Ofereço-te a frase mais pós-moderna e romântica: Toma um suco comigo.

ELA- O espremer da nuvem mais próxima será nossa festa. Esqueça as cabeças cortadas do caderno policial, veremos quinta-feira na hora caos da cidade uma pintura pós-moderna com cheiro de cheiro-verde.

AQUELA e ELA- Vivas ao anagrama de ROMA.

(se abraçam)

AQUELA- Antes de dormir quero ter um ataque de retorno. Vou fazer com que comas quinze torradas queimadas, assim saberás como é tentar falar sobre a beleza e a unidade contida no teu abraçar.

ELA- Ouve! (começa a tocar uma música) É a última música da noite, dá para ver esse momento pode ser insano e capturador.

AQUELA- É perigoso te achar tão doce. Só quero ficar aqui e atrasar o sol, porque esse pode ser o último refrão e é preciso te puxar para um abraço disfarçado de dança desajeitada.

(dançam juntinhas, depois, aquela se retira e ela volta à posição inicial)

ELA- Quem me dera que todos os sorrisos fossem de cinema e que todas as brigas acabassem em uma doceria.